🔹 Punição aos herdeiros indignos

Um herdeiro legítimo pode ser excluído nas formas previstas em lei. Uma delas é a deserdação, quando o titular do patrimônio afasta esse direito através do testamento, indicando uma das causas legais. Esse afastamento não é automático, pois dependerá de ação cível movida pelos demais interessados após o falecimento do testador.

A outra possibilidade é a declaração de indignidade pela prática dos atos previstos no art. 1.814 do Código Civil que, no seu primeiro inciso, aponta o crime de homicídio, consumado ou tentado, contra o autor da herança, seu cônjuge, seu companheiro, seus ascendentes ou descendentes. Assim, se uma pessoa mata seu próprio pai ou o seu irmão, ou ainda, sua madrasta, poderá perder o direito da herança paterna.

O segundo motivo são os crimes de denunciação caluniosa e contra a honra, ofendendo o titular da herança, seu cônjuge ou companheiro. Por exemplo, uma injúria ou difamação contra o próprio pai ou contra a madrasta, que tenha resultado em condenação criminal, pode excluir o direito hereditário do ofensor.

Por fim, a lei prevê como causa de indignidade, os atos que obstaculizam a liberdade de disposição dos bens para depois da morte. Esse dispositivo não exige tipicidade penal, podendo ser um apenas um ilícito civil pela coação, fraude ou induzimento do testador a erro.

Recentemente houve uma alteração sobre o tema através da Lei Nº 14.661, que acrescentou o artigo 1.815-A no Código Civil Brasileiro e entrou em vigor dia 24 de agosto de 2023. Se antes a exclusão de herança dependia de uma ação cível promovida pelos demais herdeiros ou pelo Ministério Público, essa penalidade agora é prevista como um efeito imediato da lei penal condenatória.

Tal alteração provoca inúmeros questionamentos quanto aos seus reais efeitos. Se fosse limitada ao crime contra a vida, seria inquestionável, eis que um ato dessa natureza atinge a própria sociedade. Porém ao indicar os demais motivos de indignidade, percebe-se que a autonomia da vontade passa a ser prejudicada.

A legislação já previa a reabilitação do herdeiro ofensor pelo próprio ofendido, o que impediria a ação de indignidade. Nesse caso, restará apenas o testamento para que não ocorra a exclusão do herdeiro penalizado?

E as várias possibilidades de vítimas referidas na causa de exclusão pelo homicídio, como serão interpretadas? Se o filho for condenado por matar seu pai, perde automaticamente o direito à herança paterna e materna? 

Onde está a autonomia da vontade das partes quando existir interferência na liberdade de testar ou atos injuriosos que facilmente podem ser superados em desejável processo de reconciliação familiar?

Por fim, e o prazo decadencial para a propositura da Ação de Indignidade previsto como quatro anos a contar da abertura da sucessão, como será interpretado?

Percebe-se uma reação inicial positiva pela mudança da lei, o que era esperado numa sociedade em que os valores patrimoniais se sobrepõem. Ocorre que a necessária paz social inicia com a paz familiar, onde o ideal sempre é a reconciliação e a menor intervenção estatal na vida privada é um princípio a ser seguido, especialmente nas questões patrimoniais, a menos que envolvam vulneráveis.

Frente às inúmeras dúvidas que agora se apresentam, novamente caberá ao Judiciário suprir as omissões legislativas encontrando a melhor forma de aplicação da nova regra para cada caso concreto.

 AUTORA:

Bernadete Schleder dos Santos

ADVOGADA ESPECIALIZADA EM DIREITO DAS FAMÍLIAS E SUCESSÕES

PROFESSORA UNIVERSITÁRIA- UFN/SANTA MARIA-RS

Fonte: www.ibdfam.org.br